Conselho do Casco Fendido

Valerie estava eufórica.

Tomada pela sensação de entorpecimento que era comum aos semideuses novatos naquele acampamento, a filha de Afrodite não conseguia se conter. Se pudesse, queria conhecer cada local daquele refúgio, que ainda mantinha-se como um mistério para si. Enquanto os demais campistas encaminhavam-se para suas respectivas atividades diurnas, tais como ir para o refeitório prestar oferenda aos seus progenitores ou treinar suas habilidades físicas na arena, a loira se dispôs a rumar em direção à Floresta.

Ainda que tivesse sido bem alertada quanto aos perigos que os domínios de Deméter ofereciam, o entusiasmo presente em seu ser bloqueava qualquer senso comum de preservação. Junto ao sentimento, a relativa falta de prudência dos que pertenciam à classe semi-divina apoderou-se da loira, de forma que ela teve que caminhava animadamente até passar pelas primeiras árvores e arbustos, ignorando os pequenos grunhidos das criaturas perigosas que ali vivia.

Em determinado momento, contudo, em meio à flora esverdeada, ela buscou por auxílio, assim que teve a noção de que pisara em falso durante sua caminhada. Enquanto sua voz subia três oitavas, ela imaginou o quão estúpida havia sido de explorar aquele recanto sem companhia. Mal havia iniciado sua escalada como heroína e seu final acabaria sendo aquele: esquecida na Floresta. Tão logo teve aquele pensamento depreciativo, os olhos claros se umedeceram e sua garganta fechou.

Fora naquele instante, que uma outra voz surgira em meio ao seu clamor, fazendo-a se assustar. Erguendo o rosto, a loira notou que uma campista estava ali. Os cabelos eram escuros e cacheados, harmonizando com o rosto bonito. Piscando os olhos, Valerie observou os olhos castanhos fixarem-se em seu rosto, retribuindo ao sondar que ela própria fazia na desconhecida.

Quando a outra iniciou suas falas, prestando o amparo que Wittelsbach tanto necessitava, um calor ameno se assolou em seu peito, deixando-a menos inquieta. Mesmo assim, quando se pronunciou, percebeu que sua voz ainda estava eufórica. — Olá! — E então, pigarreou, desfazendo qualquer expressão de solidão. — E-eu acabei me perdendo. — Explicou brevemente, antes da morena novamente se manifestou, dizendo-lhe que o lago do acampamento estava na direção oposta onde ambas estavam. Mantendo-se quieta, Valerie apenas a observou, tentando controlar os sentimentos que emergiam enquanto a observava.

Seu gesto final, antes de se levantar, fora dar um sorriso animado para a recém-conhecida, quando esta comentou que poderia acompanhá-la. Emitindo um murmúrio de agradecimento, Wittelsbach logo se pôs ao lado de sua salvadora, fazendo menção de segui-la. — Qual o seu nome? Eu sou Valerie Wittelsbach, recém-reclamada de.. ahn.. Afrodite!

Atenta, ela esperou que a outra se pronunciasse. Embora estivesse levemente envergonhada pelas olhadelas que recebia da semideusa, Valerie manteve-se em silêncio. Tal ato durou apenas alguns minutos, até a morena relevar seu nome e ascendência divina: chamava-se Nienke e era uma das proles de Perséfone.

Valerie esperava apenas que a outra se apresentasse, contudo, Nienke estendeu-lhe o braço, indicando que a ajudaria. Arqueando as sobrancelhas em surpresa, a prole de Afrodite assentiu de forma breve para o auxílio que estava recebendo. Aproximando-se da morena, ela estava pronta para segurar em seu braço, quando Nienke lhe surpreendeu novamente.

Após lhe dar um sorriso, a garota se prostrou próxima ao chão. De lá, colheu uma orquídea branca; tal logo o fez, levantou-se e se aproximou de Valerie, colocando a flor no dorso de sua orelha. Como se não bastasse, explicou brevemente para a loira o que a flor significava e, em seguida, acariciou seus fios loiros. De imediato, ela sentiu as bochechas corarem novamente, não acostumada a gestos de carinho.

Como se fosse uma reação em cadeia, Nienke também corou, dizendo que via pureza em si. Reprimindo a sensação de surpresa, Valerie pigarreou, vendo-a se afastar. No minuto seguinte, a prole de Perséfone pareceu ter voltado a si, perguntando-lhe se ela estava pronta para si. Assentindo, envolveu seu braço na da outra e então ambas iniciaram o passeio.

O tempo havia passado enquanto estava com Nienke. Entre risadas e conversas, a loira notou que já estava na hora de retornar para seu chalé. Dando um sorriso de desculpas para a outra, ela desfez o enlace onde outrora as mãos de ambas se encontravam. Em seguida, comentou que estava na hora de ir. Nienke assentiu, parecendo compreender. E então, após se despedir e prometer que a veria novamente, Valerie retornou o chalé dez.